REFLEXÃO SOBRE O USO DA RACIONALIDADE EM UMA RELAÇÃO ÉTICA ENTRE O SER HUMANO E O MEIO AMBIENTE
- Instituto Zardo

- 7 de set. de 2020
- 9 min de leitura

Bilhões de anos foram necessários para que nosso planeta criasse ou abrigasse vida.
Milhões de anos foram necessários para que o Ser Humano passasse a existir.
Milhares de anos foram necessários para que essa espécie desenvolvesse sua forma racional (principal peculiaridade dentre os mamíferos).
Centenas de anos foram necessários para que se espalhasse pelo Planeta e construísse sua forma de organização e vida em sociedade.
Dezenas de anos foram necessários para que desenvolvesse ferramentas tecnológicas que lhe permitissem maior conforto, como andar de carro, ar-condicionado, industrializasse e transformasse as matérias primas originais em uma infinidade de produtos acabados, criasse artefatos para sua segurança, etc.
Os últimos anos foram necessários para que Ser Humano desenvolvesse comunicações entre pessoas e máquinas de maneira espantosa, criasse tecnologia para explorar além da estratosfera, e está chegando a todos os recantos desse imenso planeta, que, cada vez mais, parece ficar menor devido à sua ação de descoberta e de busca de utilização desses recursos, ainda de maneira a gerar-lhe mais conhecimento, descoberta, conforto, explicações, superação das intempéries climáticas, pelo menos das de menor escala que são a chuva, o frio, o calor, as tempestades, etc.
Nessa trajetória, o Ser Humano foi espalhando-se e encontrando sua forma de habitar esses recantos, ocupando-se dos problemas de cada época, criando alguns, resolvendo outros, mas sempre buscando ``Viver melhor, viver bem´´. Desconheço algum registro histórico que diga o contrário.
Partindo desse princípio científico de ver a realidade, há outros para explorar, o que não é o caso, pois o presente trabalho propõe-se a breves reflexões acerca do nosso posicionamento enquanto seres humanos frente a algumas preocupações que surgem nessa caminhada do Homem sobre a Terra.
Em sua história, após passar por várias fases de desenvolvimento, desde a luta pela sobrevivência até pisar na lua, muitos problemas foram superados. Porém, na era contemporânea, existem algumas questões que pedem cuidado e atenção: aquecimento global, destruição da camada de Ozônio e de florestas, superpopulação humana, uso indiscriminado de agentes toxicológicos na exploração mineral ou agrícola, produção de montanhas de lixo doméstico e industrial, utilização de animais para consumo de carne e para outros fins duvidosos, trancamento de rios enormes para produção de energia elétrica, desenvolvimento de usinas e armamentos nucleares. Todas essas questões podem pôr em risco grandes porções de matéria orgânica, causando poluição de rios e de mares, bem como a extinção de animais pela destruição de seus habitats naturais.
Enfim, o Ser Humano é uma espécie que ``cresceu e se multiplicou´´, provocando alterações consideráveis no ecossistema da Crosta Terrestre. Temos, então, um problema Ético Ambiental.
Como é um assunto que está na pauta dos noticiários diariamente, váriospensadores debruçaram-se na busca de compreender os fenômenos e também apontar soluções para minimizar os efeitos danosos dessa ocupação humanoide.
Holmes Rolston, com o trabalho intitulado Ética Ambiental, chama a atenção para a produção literária sobre o tema e cita que “A sociedade Internacional para Ética Ambiental [International Society for Environmental Ethics – ISEE] possui 400 membros em 20 países”[1] e emenda:
A bibliografia constante da página na Internet do ISEE contém 8 mil artigos e livros não só de filósofos, especialistas em ética e teólogos, mas também de governantes, juristas, profissionais do ambientalismo, guardas-florestais, biólogos, ecologistas, economistas, sociólogos, historiadores, empresários e empreendedores – todos com uma preocupação ética sobre os usos humanos do ambienta natural.[2]
Os Humanos são os únicos seres vivos dotados de consciência deste planeta, possuidores de autorreflexão moral, mas, talvez, esta não seja tão bem utilizada como deveria, pois age-se apenas com autointeresse coletivo, e não há esse cuidado com as demais espécies que coabitam,[3]conforme entende o autor[4]. É certo que este leciona, ainda, que “A qualidade ambiental é necessária para a qualidade da vida humana”[5], e elabora que os Humanos estão ligados à natureza como os corpos estão às nossas mentes. Então, não basta ter ética nas ações diárias, necessário também incluí-la na natureza, ou seja, fazer parte dela, e não a ver apenas como um ente distante.
Há muito o que se falar, pois esse ecossistema é gigante e há milhões de espécies com que interagimos. Muitos pensadores trataram do tema. Nos últimos tempos, uma das preocupações tem sido com os animais.
Galvão[6], quando fala das fronteiras da ética, no que respeito aos direitos dos animais, adverte: “As divergências éticas não se esgotam no domínio das relações entre os seres humanos”. E defende que até meados do século passado, desde os gregos antigos, era esse o foco principal das questões éticas, ou seja, uma ética antropocêntrica[7].
A pergunta que é elaborada “se os animais têm direitos?” é muito abrangente, e tratar do assunto para cada espécie de ser vivo parece um tanto impraticável, pois se está a ter dificuldades com os códigos morais do próprio Ser Humano, quanto mais fazer códigos para os animais, plantas ou outras espécies. Mas deixar que se tome os próprios caminhos sem uma reflexão acerca de como agir com o meio ambiente não está mais sendo possível.
Galvão, em Os Animais Têm Direitos? Perspectivas e Argumentos, mostra 03 perspectivas sobre o Estatuto Moral[8] dos animais:
· A cartesiana do século XVII, onde Descartes sustentou que os animais não passam de seres “autómatos destituídos de pensamento ou de qualquer consciência”[9], bem como não possuem linguagem como alguns defendem e, portanto, não possuem consciência.
· A kantiana, que defendeu que os deveres do ser humano em relação aos animais são deveres “indiretos”, ou seja, o comportamento referente aos animais deve levar em consideração apenas os efeitos que serão produzidos no próprio homem, pois a crueldade aplicada aos animais tornará o homem mais cruel.
· A utilitarista, com Jeremy Bentham e Peter Singer. Onde o primeiro elaborou que, para os animais terem Estatuto Moral, basta que sejam sencientes, ou seja, “tenham a capacidade de sentir dor ou prazer”[10] e o segundo sustentou que as ações feitas com imparcialidade aos seres sencientes resultam nas melhores consequências, isto é, num maior bem-estar geral.
Segue Galvão trazendo que Tom Reagan, ao criar o interessante conceito sujeito-de-uma-vida[11], dá mais alguns passos na construção dessa ética, alargando ainda mais a maneira como devemos olhar para outros seres vivos.
Quase ao final da lista de pensadores que trabalharam o assunto vamos ver o que J. Braid Callicott tem a nos dizer. Conforme Galvão[12], Callicott vai trabalhar a ética da terra, concepção advinda de Aldo Leopold, onde trata do assunto com uma preocupação mais ampla, ao que ele chama “comunidade biótica”[13], onde engloba não só animais e plantas, mas também entidades inanimadas, como cursos de água e montanhas.
Ao se ver documentários da History Channel como por exemplo ´´A História de Tudo[14], como outros similares, tem-se uma idéia - pelo menos vista do ponto de vista científico/Darwinista, sendo uma das mais aceitáveis paras os padrões do mundo atual - sobre como surgiu Nosso Planeta Terra, a vida, o Ser humano. Mas enfim, parece que a ciência e a tecnologia fazem um belo trabalho ao apresentar um estudo dessa dimensão.
Ao passo que nos deparamos com os conteúdos desse vídeo pode passar milhares de pensamentos em nossa mente. Uau! O que é isso? Quer dizer que se o tempo de existência do planeta terra fosse comparado a um jogo de futebol com seus noventa minutos o surgimento do Homem equivale a aproximadamente o último minuto de jogo? E desses milhões de espécies de seres vivos somos apenas um dentre tantas? Bem, e se olharmos de forma análoga a trajetória do Ser Humano, em sua trajetória, apenas agora, nos últimos poucos anos está se preocupando com uma ética. O que isso quer dizer? Somos recentes no assunto, não havia esse problema até poucos anos atrás [``poucos anos´´ nessa reflexão comparativa a história humana]. As preocupações eram outras, como sobrevivência por exemplo.
Agora que temos um lugar confortável e seguro para dormir, alimentação ao alcance da mão, deslocamento facilitado, tecnologias desenvolvidas, menos sofrimento físico para sobreviver, busca de mais prazer e conforto com viagens a lugares diferentes, comidas e bebidas cada vez mais sofisticadas, é-nos dado esse ``direito´´ de ter profissões mais intelectivas, temos certos luxos a usufruir. E isso foi conquistado rapidamente. Talvez esse rapidamente tenha sido um dos problemas que nos deparamos atualmente. Junto com tudo isso, a busca de uma ``vida melhor´´, ainda baseada nessas buscas: mais prazer, menos dor. Quem não quer isso? Há alguém que queira sentir dor, a não ser o masoquista?
Em poucas décadas conquistou-se uma autonomia de escolha de profissão, escolha de lugar para morar, escolha de crença, escolha de roupa, escolha de pessoas para viver junto, escolha de programas de TV para assistir, escolha de diversão, escolha de desenvolver-se nas áreas da exatas, ou nas humanas, ou nas científicas, enfim, muitas escolhas. E vivemos em um Planeta farto, onde se conseguiu desenvolver tecnologia e conhecimento para usufruir daquilo que bem entendermos.
Sim! Temos o poder de decisão e escolha. Dominamos a tecnologia a pouco tempo. Ainda estamos como uma criança brincando de derrubar montes de terra, trancar certos rios, fazer buracos no chão, experimentar coisas novas com fogos e explosões. Os problemas surgem, em parte, por ser muito recente, tudo parece muito recente. A própria racionalidade ou a reflexão lógico filosófica parece ser recente. Vamos ver quando ela começou a se desenvolver no Ser Humano?
Bem, não é necessário fazer contas. Quando começou a se desenvolver o corpo da forma como o dispomos, quando começou a se desenvolver o aparelho reprodutor dos mamíferos? Bem, são milhares de anos, muito anteriores às concepções lógicas. Aos poucos a ciência, através dos seus métodos empíricos-racionalistas, vai descobrindo o que nosso corpo - que deriva de toda uma interação com o meio ambiente – desenvolveu com sua inteligência própria, da qual não conhecemos ainda suficientemente.
Mal conhecemos os domínios da própria racionalidade, mas pode-se perceber que ela se desenvolveu muito desde os gregos até os dias contemporâneos. Só se passaram 2,5 mil anos, sendo que a partir do iluminismo, ou seja, a aproximadamente 300 anos houve uma explosão desse fenômeno racional. E nos últimos 100 anos essa explosão, essa potenciação racional foi utilizada largamente para o desenvolvimento econômico, através das linhas de produção em massa, desenvolvimento tecnológico para extração de matérias primas e sua transformação em produtos acabados. Automaticamente, para fazer com que houvesse essa evolução toda, empresas foram criadas, academias universitárias e toda uma estrutura para atender, mais rapidamente possível, essa demanda econômica e social, transformando a racionalidade na grande ferramenta a serviço dessa busca frenética se ``encontrar a felicidade, encontrar o bem estar´´, enfim, a racionalidade esteve a serviço dessa construção do império humano, cada um com o poder de criar o seu castelo.
A questão que está sendo levantada aqui é: Será que a racionalidade, com a coroa que lhe foi posta e a força que ganhou nos últimos tempos, é suficiente para dar conta de todos os problemas ambientais causados pelos Seres Humanos, ao meio ambiente em que coexistimos?
BIBLIOGRAFIA
GALVÃO, Pedro. Os animais têm direitos? Perspectivas e Argumentos. Lisboa: Dinalivro, 2010.
GALVÃO: p. 09 apud Tom Regan (1983) The Case for Animal Rights, 2.ª ed., Berkeley e Los Angeles, University of California Press.
ROLSTON, Holmes. Ética ambiental, in apud BUNNIN, Nicholas e E.P. Tsui-James (orgs) 2010.
SKORUPSKI, John. Ética, in BUNNIN, Nicholas e E.P. Tsui-James (orgs). “Compêndio de Filosofia”. São Paulo: Loyola, 2010, Quarta Edição.
[1]ROLSTON, Holmes. Ética ambiental, in apud BUNNIN, Nicholas e E.P. Tsui-James (orgs) 2010, p. 557/558. [2]Op. cit., p. 557. [3] “Os humanos coabitam na Terra com cerca de 5 a 10 milhões de espécies.” (Op. cit., p. 557). [4]Op. cit. [5]Op. cit., p. 558. [6]GALVÃO, Pedro. Os animais têm direitos? Perspectivas e Argumentos. Lisboa: Dinalivro, 2010, p. 58. [7] “O antropocentrismo é uma concepção que considera o homem como referencial de todo o conhecimento, essa visão sempre serviu de justificativa para o uso indiscriminado de recursos naturais e hoje é fortemente questionada. Em um contexto de mudança de paradigma, onde a crise ambiental é muito retratada na mídia e em outros espaços sociais surgiu o questionamento sobre a possível ocorrência de transformações quanto ao aspecto antropocêntrico de representações de natureza, nos últimos anos.” Disponível em:https://lume.ufrgs.br/handle/10183/96671. [8] “Se um Ser tem Estatuto Moral, então ``conta´´ por si mesmo, de tal forma, que temos certos deveres ou obrigações para com ele”. (GALVÃO, Pedro. Os animais têm direitos? Perspectivas e Argumentos. Lisboa: Dinalivro, 2010, p. 65) [9]Op. cit., p. 4. [10]Op. cit., p. 7. [11] “Os indivíduos são sujeitos-de-uma-vida se têm crenças e desejos; percepção, memória e uma noção do futuro, incluindo do seu próprio futuro; uma vida emocional com sensações de prazer e dor; interesses de preferências e de bem-estar; a capacidade de iniciar acções na persecução dos seus desejos e objectivos; uma identidade psicofísica ao longo do tempo; e um bem-estar individual no sentido em que sua vida experiencial lhes corre melhor ou pior, de forma logicamente independente da sua utilidade para os outros ou de serem objecto dos interesses de outros.” (GALVÃO: p. 09 apudTom Regan (1983) The Case for Animal Rights, 2.ª ed., Berkeley e Los Angeles, University of California Press, p. 243.). [12]GALVÃO, Pedro. Os animais têm direitos? Perspectivas e Argumentos. Lisboa: Dinalivro, 2010, p. 11 e 12. [13] “O termo Comunidade Biológica, biocenose ou biota, é um conjunto de outras comunidades que habitam um biótipo, ou seja, uma região que apresenta as condições de regularidade para a existência de uma comunidade animal ou vegetal. Essas comunidades são as populações das espécies que vivem no mesmo local. O biótipo corresponde à menor parcela de um habitat que é possível discernir geograficamente.” Disponível em:https://www.pensamentoverde.com.br/meio-ambiente/comunidade-biologica/ “Sendo assim, uma comunidade biológica é a junção de vários indivíduos de espécies de plantas e animais em um determinado espaço.” Disponível em:https://www.pensamentoverde.com.br/meio-ambiente/comunidade-biologica/ [14] https://www.youtube.com/watch?v=5dx7vRxMRQI&t=4502s





Comentários